A guerrilha verde
Para mostrar as queimadas e desmatamentos no sul do Pará e norte de Mato Grosso, o jornalista Felipe Gutierrez, do Profissão Repórter, percorreu mais de 1.800 km de estradas. Confira aqui algumas histórias que ele trouxe para o Blog da Amazônia (clique para assistir ao vídeo do Profissão Repórter).Blog da Amazônia » Blog Archive » A guerrilha verde
“No hotel pedem identidade na hora do check-in?”
“Não.”
“Então o meu nome é Marcos. Marcos, tá bom? Me chamem de Marcos enquanto a gente estiver aqui.”
“Marcos”, na verdade, é Marcelo Marquesini, engenheiro florestal do Greenpeace. Ele chegava em Novo Progresso, oeste do Pará, quando virou “Marcos”.
A tática de guerrilha de ser chamado por outro nome veio acompanhada de várias outras precauções com segurança. Os dois carros da comitiva de seis pessoas foram alugados na região – uma placa de outro Estado poderia chamar muita atenção. E o hotelzinho havia sido escolhido com semanas de antecedência. O responsável pela logística, que pede para não ter o nome divulgado, gostou de um que tinha barras de ferro nas janelas e com os quartos virados para o estacionamento – assim, dava para ver se alguém tentasse fazer alguma coisa com o carro.
O Greenpeace não é bem vindo na região. Bem pelo contrário: eles são detestados visceralmente no oeste do Pará. No ano passado, eles entrevistaram o presidente do sindicato dos produtores rurais – ou seja, o chefe dos fazendeiros de Novo Progresso – dizendo que eram de uma TV estrangeira. Ouviram o seguinte: “se o Greenpeace aparecer aqui algum dia, tenha certeza, a caminhonete deles vai pro pau. Vamos queimar. Não queremos intervenção de quem não vem aqui para contribuir”. Melhor tomar cuidado quando estiver na região.
Para o responsável pela logística, o risco é inerente ao trabalho. “Se você realmente acredita no seu trabalho e quer fazer a diferença nessa região, você tem que correr esse risco. É inevitável. Não tem como dizer que vai num lugar desses sem correr risco”, ele afirma.
A idéia da viagem é documentar a devastação da Amazônia numa área conhecida como o “Cinturão do Fogo”, a região onde ocorrem mais incêndios no país. O cinturão atravessa o Acre, Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão. O Brasil é o quarto maior poluidor do mundo, ou seja, é o quarto maior emissor de emissões dos gases causadores do efeito estufa. Antes da gente estão os EUA, a China e a Indonésia.
Nessa mesma área, o Greenpeace tem um histórico de conflitos. Castelo dos Sonhos, povoado que fica na mesma estrada que Novo Progresso, foi onde o Marcelo – ou “Marcos” – passou por um dos maiores perigos da sua vida.
Marcelo e seus companheiros queriam pegar uma Castanheira derrubada na área e levá-la até grandes centros urbanos. É proibido derrubar castanheiras. Eles conseguiram uma autorização para trafegar com a árvore gigantesca. Enquanto o motorista comia um lanche num restaurante na beira da estrada, o caminhão foi fechado por várias caminhonetes. Rapidamente, chegaram outros carros. “Tinha mais de cem pessoas. Todo mundo queria saber quem nós éramos. Numa hora, um deles soltou: ‘que direito o Greenpeace tem de vir aqui?’. Ou seja, eles sabiam que a gente era do Greenpeace”, conta o Marcelo.
Eles se refugiaram na base do Ibama e precisaram da proteção de militares contra a multidão de fazendeiros e madeireiros que vigiava tudo. Passaram um dia inteiro lá. “De madrugada ficaram umas 12 pessoas. Ficou nesse impasse até que o Ibama cassou a licença para carregar a Castanheira”. A árvore foi levada pelos moradores de Castelo dos Sonhos para a praça da cidade, como um símbolo da derrota que impuseram ao detestado Greenpeace. Depois, eles pegaram uma outra árvore, de outra região, e exibiram em grandes capitais do país.
Na viagem deste ano, não queriam levar nenhuma árvore, só mostrar que sim, áreas protegidas continuam sendo devastadas, queimadas e usadas para pasto. O lugar escolhido foi a Floresta Nacional de Jamanxim – uma área protegida de 13 mil quilômetros quadrados, o dobro da Grande São Paulo, e sem um único fiscal. Eles foram até lá, atravessando estradas clandestinas abertas por madeireiros, e fizeram uma transmissão ao vivo para a internet mostrando as cinzas de queimadas que haviam acontecido a menos de um dia.
A poluição no Brasil vem de queimadas como a que tinha acontecido lá. Cerca de 75% da emissões originam-se delas, segundo o inventário nacional de mudanças climáticas.
E por que tanto incêndio? “É difícil acontecer fogo acidental na região. Aqui, as pessoas tacam fogo mesmo pro prazer ou mesmo pra limpar”, explica o Marcelo. A devastação da terra amazônica tem duas fases. A primeira é a da madeira. Entram e derrubam as árvores valiosas. Depois, vem o gado. Nessa hora vem o fogo. Para transformar a floresta em pasto, eles queimam. O fogo faz com que o capim nasça forte durante uma ou duas temporadas. Depois, a terra fica ruim.
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