Preparados para Perder

Quando o Cirque du Soleil estava no Brasil um repórter de TV foi para o interior do Nordeste, até um circo mambembe, daqueles em que o pai é o apresentador, mágico e trapezista, a mãe é contorcionista e os filhos fazem de tudo um pouco. Lá encontraram o garoto trapezista e o levaram para São Paulo, para assistir ao Cirque du Soleil.

Mais que isso: iriam apresentá-lo a um dos astros do circo, um dos trapezistas. Durante o show, a expressão de deslumbre aumentava a cada número apresentado. E, depois do show, o encontro com o astro dos trapézios. Um rapaz bonitão, com todos os músculos delineados, evidentemente bem alimentado e feliz.

O nosso franzino herói recebe uma roupa de trapezista, que logo trata de vestir. A roupa não cai bem. Fica folgada onde devia apertar e apertada onde devia folgar. É como aqueles capacetes de obra que – aqui no Brasil – nunca assentam nas cabeças dos peões, sabe? Os dois começam a se exercitar.

O rapaz do Cirque com movimentos de uma beleza que lembrava uma dança. Nosso garoto trapezista com movimentos brutos, fora de sintonia, desequilibrados.

Mas de repente nosso herói faz um ousado movimento no trapézio que desperta uma expressão de espanto no trapezista do Cirque. Ele tenta copiar e desiste, com medo de se machucar. E nosso herói – junto com toda a nação brasileira que assistia a matéria – fica orgulhoso. Viu só? Continuamos feios. Desengonçados. Mal vestidos. Mal alimentados. Mas vamos lá e surpreendemos... Viva o Brasil!

O brasileirinho deixa a todos nós orgulhosos! Um herói efêmero, cuja fama dura tanto quanto os minutos em que ele aparece na televisão. De volta pra casa, depois da recepção, dos cumprimentos, de contar e recontar a história, nosso herói vai dormir. Acorda no dia seguinte, na mesma velha tenda, na mesma velha cama. E volta ao trabalho de buscar água, consertar a lona, dar comida às galinhas e fazer as vezes do trapezista desengonçado e do palhaço melancólico que alegram as periferias do Brasil...

Essa história do brasileiro pobre que desenvolve um talento natural que um dia serve como atração da mídia, para depois voltar à dura realidade, não é familiar? Claro que sim. Repete-se a cada quatro anos. Ou você acha que a história da Katlein Quadros que trouxe a primeira medalha de bronze para o judô feminino do Brasil na Olimpíada é diferente? Katlein vendeu seu aparelho de som, sua televisão e fez todo tipo de esforço para chegar até Pequim. Depois da olimpíada viveu seus dias de herói, pra ser esquecida alguns dias depois, quando a crônica esportiva brasileira voltará àquilo que sabe fazer: puxar saco de jogador de futebol milionário. E sem apoio, sem patrocinador, sem visibilidade voltará à vidinha de sempre. No Brasil, os efêmeros heróis que se virem.

O Brasil foi excepcionalmente bem nos últimos Jogos Olímpicos. Com dezesseis medalhas de ouro, ficamos em 9º lugar – destaque para o nadador Daniel Dias, com 9 medalhas, sendo 4 de ouro.

Infelizmente falamos da Paraolimpíada de Pequim, já que na última Olimpíada convencional, o Brasil teve desempenho pífio, três ouros, 23ª posição, atrás de países como Jamaica, Quênia e Etiópia. Creio que essa diferença de performance entre os dois tipos de competição não seja totalmente acidental. As razões costumeiras não parecem explicar bem os motivos do nosso fracasso. O primeiro vilão apontado é a nossa pobreza. Mas o Brasil é hoje a décima economia do mundo, não a 23ª.

A segunda razão comumente apontada é o pouco investimento em esporte no país. Em 2008, não foi o caso. Segundo a Folha de S.Paulo, apenas o governo federal investiu 1,2 bilhões de reais em esportes olímpicos desde Atenas. Sem incluir o orçamento de fontes próprias do COB, esse valor significaria um custo de 400 milhões de reais por ouro. O custo do Comitê Olímpico americano – financiado basicamente sem dinheiro público – foi de 32 milhões de reais por ouro.

A impressão que ficou de nossos atletas é que seus fracassos se deveram mais a questões psicológicas do que financeiras ou estruturais. E isso importa não por causa da Olimpíada, que tem valor apenas simbólico, mas porque essa mentalidade se reproduz em toda a vida nacional, com conseqüências reais.

No mês de julho de 2008, foram disputados os Jogos Olímpicos escolares: Química, Física, Matemática e Biologia. Das 142 medalhas de ouro distribuídas nessas competições, o Brasil ganhou... zero.

Não temos apenas carências materiais a nos complicar a vida: temos uma cultura que abomina a competitividade, desconfia dos vitoriosos e simpatiza com os fracassados. Quando o nadador César Cielo, não por acaso treinado nos EUA, declarou que iria em busca do ouro em Pequim, o desconforto dos comentaristas televisivos foi audível: muita saliva gasta para deixar bem claro que se tratava de "autoconfiança" e não "arrogância". Porque melhor um bronze humilde do que um ouro arrogante! Se o nadador Michael Phelps – que ganhou oito medalhas de ouro em Pequim - tivesse nascido no Brasil, seria provavelmente exilado ao declarar a intenção de bater o recorde de medalhas em uma Olimpíada.

Só num país de perdedores uma classificação para final olímpica é vista como "garantia de prata", e não uma chance de 50% de ouro. Só no Brasil se ouvem atletas dizendo que o bronze valeu ouro, só aqui se vê um chororô constante e público de favoritos que foram vencidos por seus nervos. Só aqui um atleta como Diego Hypólito, depois de cair sentado em sua competição e ainda ter a pachorra de culpar os céus ("Deus não quis. Deus decidiu isso."), é recebido com festa e escola de samba. Nós nos preocupamos mais em ser campeões morais do que campeões de fato. Valorizamos o esforço mais do que o resultado. Acreditamos que o sofrimento do percurso redime o fracasso da chegada, ao contrário dos países que dão certo, em que o sucesso do resultado é que redime o sofrimento do percurso.

Luciano Pires
www.luicianopires.com.br

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