O Brasil da Hora

Ultimamente ouve-se muito dizer que há mais de um Brasil. Quantos Brasis cabem dentro de um Brasilsão? Parece que está na moda, mas é verdade. Quando me perguntam sobre o Brasil aqui fora, eu quase sempre devolvo: de qual Brasil você quer saber? Tem um Brasil que vem dando certo e o outro que se arrasta teimoso em sua obesidade mórbida. Tem um Brasil que se mexe, se movimenta, reivindica e faz barulho e tem o Brasil que cala, consente e aprova com seu silêncio condescendente. Há um Brasil que quer e faz tudo pra dar certo e um outro que acha esperto viver encostado no ostracismo da improdutividade alimentando o ócio dos perdedores. Estamos vivendo neste momento, talvez o maior período de turbulências da nossa história cultural. Ou resgatamos os valores e a auto-estima cívica do povo agora, ou estamos fadados a viver eternamente com o fantasma do fracasso. Olhar para trás daqui alguns anos e lamentar não é opção. Tampouco resignar-se à condição de perdedores.

Dá pra virar o jogo? Claro que dá. É difícil? Ninguém afirma que é fácil. É possível? Certamente. É viável? Completamente. Como fazer? Está em nossas mãos. Li que o pesquisador Alberto Carlos Almeida da Universidade Federal Fluminense (UFF) acaba de lançar pela Editora Record, os resultados de sua pesquisa no livro 'A Cabeça do Brasileiro’, que oficializam estatisticamente a já conhecida e óbvia realidade. Quanto menor o índice de educação e escolaridade, maior é o nível de tolerância do povo com aquilo que lhe é imposto. Não há dúvida que a educação é o grande elo transformador de uma cultura e de um país, no entanto sem fugir à regra a tese gerou polêmicas. Há quem concorde e quem discorde. Controvérsias à parte, a pesquisa serve como referência para traçar o perfil básico do brasileiro. Ou pelo menos daquilo que tão bem conhecemos no nosso contato cotidiano com as pessoas, ou seja, como são encarados os valores nos diferentes níveis da população.

Porém, o uso das frases feitas do popular gênero “rouba, mas faz” ou “vou salvar o meu e o resto que se dane”, cada vez mais comuns e aceitas com tanta naturalidade, estão tão presentes entre as pessoas com baixo nível de escolaridade quanto entre a população diplomada. Embora não restritas somente a uma única classe, de acordo com a pesquisa do autor, o nível de tolerância entre a população menos esclarecida é maior. É a cultura popular que se instalou no país e Deus nos acuda, parece que veio pra ficar. Achou espaço e se encaixou no perfil do povo. Mudar esse comportamento não é uma tarefa fácil, tampouco se conseguirá resultados do dia para a noite. É preciso o compromisso da continuidade e envolvimento geral da sociedade como um todo.

É óbvio que não somente a decadência da educação é a única responsável pela distorção cultural que vivenciamos. Tem a ver também com a desigualdade social, discriminação, a ausência de um modelo cívico entre outros fatores já muito anunciados. Mas, por onde começar se não pela educação? Alicerce de tudo e antes de qualquer coisa fundamental para que o cidadão saiba identificar os valores, seus direitos e deveres, a educação é como a aorta, maior e principal artéria que leva sangue oxigenado ao coração. Com seu comprometimento, o povo fica como o sistema cardíaco de um enfartado. Funciona pela metade. Se não socorrido a tempo leva à morte. Se acudirmos com especialistas, ainda há tempo para uma ponte de safena.

A futura geração é o vetor. Bem ensinado na escola, ao voltar para casa, o aluno pode retransmitir o que aprendeu para os pais, demais irmãos, vizinhos e amigos levando adiante o processo transformador. É assim que a educação cumpre seu papel disseminador na sociedade. Educação é um processo combinado que requer a presença da família e a participação efetiva da comunidade. Atenção e desvelo com o maior patrimônio que um país pode ter: o povo.

Eu sou do tempo em que a escola pública era referência. Fui educada pelos melhores professores que a rede de ensino estadual podia ter. Num tempo, não tão distante assim, quando os professores escolhiam a profissão pela vocação de educar e os alunos tinham sede de aprender. Os professores eram respeitados e as famílias envolvidas no processo de educação de seus filhos. No Grupo Escolar Olavo Bilac e no Instituto de Educação Dr. Alfredo Pujol da pequena Pirajuí, descobri desde o processo de minha alfabetização que a escola me faria crescer como gente. Foi na escola pública que aprendi a ser cidadã e soube o sentido da palavra comunidade. Sou de um tempo em que o ensino ajudava o aluno a reconhecer os caminhos a seguir. De um tempo em que a relação aluno professor era prazerosa, produtiva e de respeito, quando os pais participavam do EDUCAR junto com a escola. No tempo em que EDUCAÇÃO significava complementação como um todo da sociedade e não somente um processo isolado como responsabilidade de apenas um segmento. Naquele tempo sonhávamos com um Brasil melhor, livre e justo. Ganhamos a suposta liberdade que o processo democrático trouxe e acabamos presos pelas grades que a própria sociedade criou

Heliana DeWeese

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