'Capitão Nascimento': Sem perceber já vivemos um México
Enviado por Jorge Antonio Barros -
05.10.2010
|05h59m
INSEGURANÇA PÚBLICA
O escritor e comentarista de segurança pública Rodrigo Pimentel, ex-oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) que inspirou o Capitão Nascimento do blockbuster "Tropa de Elite", afirmou em entrevista exclusiva na madrugada de hoje, no Twitter, que grandes cidades brasileiras já vivem um processo de mexicanização sob o ponto de vista da criminalidade, "sem perceber". A violência no México está chamando a atenção da opinião pública internacional por causa da intensidade da disputa de grupos ilegalmente armados pelo tráfico de drogas e o controle de cidades inteiras.
- Quando você verifica os números de homicídios em Cidade Juarez percebe que não é tão diferente dos subúrbios da Leopoldina. Ataques a quartéis e delegacias de polícia, já vivemos esta realidade em São Paulo, e no Rio também temos chacinas. A memória é curta. A Chacina da Baixada [na qual 30 pessoas foram mortas por PMs numa só noite] só tem cinco anos . Sem perceber ja vivemos um México. Mas pela primeira vez sou otimista que dias melhores virão - afirmou Pimentel, comentarista de segurança pública do RJ-TV, da TV Globo.
A resposta foi dada ao fotógrafo André Arruda, um dos internautas que participou da 12a Entrevista Coletiva, mediada pelo autor deste blog por meio de seu perfil no Twitter, o site que é uma mistura de microblog e rede social. Horas antes Arruda escapara de ser baleado durante assalto que deixou dois feridos em Copacabana. Durante três horas, Pimentel respondeu a perguntas feitas pelos followers (seguidores, no jargão do Twitter) do @reporterdecrime.
Autor do livro "Elite da Tropa", com Luiz Eduardo Soares e o capitão André Batista, Pimentel inspirou o temido capitão Nascimento de "Tropa de Elite" que esta semana volta às telas de cinema de todo o país em"Tropa de Elite 2" (assista ao trailer), no qual chega ao posto de coronel e de subsecretário de inteligênica, da Segurança do Estado do Rio. Agora o trio está lançando esta semana o livro "Elite da Tropa 2 - A história além do filme" (Nova Fronteira) [leia aqui capítulo inédito do livro], que faz uma anatomia do maior adversário das políticas de segurança hoje no Estado do Rio - a milícia, grupo ilegalmente armado e formado por policiais e ex-policiais civis e militares.
Indagado se seguiria o exemplo do personagem do filme e algum dia assumiria o cargo de secretário de Segurança, Pimentel disse que sim, desde que houvesse "um substancial aumento salarial para os policiais".
- Não acredito em nenhuma politica de segurança com policial ganhando R$ 996 e sem vale transporte - disse Pimentel, explicando que considera um salário ideal na PM "algo entre R$ 3 mil reais para os iniciantes atingindo o limite de seis para os oficiais". Ele lembrou que, nos principais departamentos de polícia, o salário inicial de um policial e de seus chefes não tem a disparidade que ocorre na PM do Rio; onde um coronel full, dependendo da função. pode ganhar até oito vezes mais que um soldado'.
- Isto não pode funcionar - adverte Pimentel.
Assim como o "Elite da Tropa", o novo livro de Pimentel serve de inspiração para a sequência do filme de José Padilha. O livro tem um novo autor, o delegadoCláudio Ferraz, diretor da Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado), cuja equipe já prendeu quase 500 milicianos desde 2007. Pimentel ressaltou que "o livro é uma obra de ficção, mas logicamente o leitor irá associar as histórias ao cotidiano do Rio; a relação é facílima".
- No Tropa 2 fiz o argumento que deu origem ao roteiro, a idéia de falar sobre milicias depois de uma aula com o delegado Cláudio Ferraz. O inimigo agora é outro - explicou Pimentel, na entrevista no Twitter.
- Claudio é a maior autoridade do país em crime organizado. As milícias cariocas são o exemplo de crime verdadeiramente com ramificações no parlamento, numa simbiose com o Poder Executivo. Cláudio trouxe sua experiência, única no Brasil nesta modalidade. Creio que poucos delegados no Brasil já enfrentaram máfias tão poderosas com sucesso de condenações - disse o comentarista de segurança pública, um dos pioneiros no telejornalismo do Rio.
Pimentel diz que a violência da milícia é massacrante, e isso está retratado no livro e no filme.
- Os assassinatos chocam pela crueldade, ainda mais se tratando de agentes da lei. Alguns deles com cargos no Poder Legislativo. As descrições são detalhadas como se retiradas do inquérito policial. As polícias matam muito e sem nenhum freio do Ministério Público ou de corregedorias. O principal freio seria a comoção da sociedade - disse.
Para Pimentel, certamente houve políticos ligados às milícias do Rio eleitos ("a Câmara virou o paraíso dessa turma"), mas disse acreditar que a Assembléia Legislativa está hoje mais protegida do que a Câmara de Vereadores, graças à CPI das Milícias presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), reeleito, e os deputados Wagner Montes e Cidinha Campos.
O escritor revelou que durante as filmagens de Tropa de Elite foram constatados vestígios de candidatos a cargos públicos em comunidades completamente fechadas pelo tráfico e pela milícia. "O candidato deveria explicar como chegou até ali", destaca Pimentel. No Morro do São José Operário, Pimentel disse que "só existia material da dobradinha Lins-Itagiba" (respectivamenteÁlvaro Lins, ex-chefe da Polícia Civil e deputado estadual do PMDB, cassado por envolvimento com a máfia dos caça-níqueis e o deputado federal Marcelo Itagiba, ex-secretário de Segurança).
- Aliás, imaginava que fossem inimigos, mas o material de campanha era com a foto dos dois.
Ex-integrante do Bope entre 1994 e 1999, Pimentel disse acreditar que a tropa elite da PM é uma das poucas que ainda "não sofreu infiltração de milicianos". Em resposta a um leitor, ele disse que o Bope de hoje "está melhor, mais bem treinado, mais equipado e mais motivado" do que na época em que ele esteve lá.
Rodrigo Pimentel aplaude a política de pacificação de favelas, que turbinou as urnas em favor de Cabral, além de elogiar as estatísticas que mostram a tendência de queda dos homicídios.
- As UPPs estão cumprindo sua missão de redução dos homicídios e o fim da ditadura armada, de fato funcionam. O homicídio está caindo no estado como um todo, inclusive em áreas sem UPPs. Creio que não seja unicamente em função da UPP, mas de metas de redução implantadas pela Secretaria de Segurança Pública, que estimularam comandantes e delegados. Antes as premiações eram em função de armas apreendidas. Agora se bonifica a prevenção e a redução do crime. É muito mais inteligente e tem mais relação com a missão da PM de prevenção do crime - afirmou o ex-oficial do Bope.
Lembrando que as UPPs não aparecem em "Tropa de Elite 2", Pimentel observa que "na verdade as UPPs, lamentavelmente, não são utilizadas em favelas de milicias."
- A Favela do Batan foge a regra. É um grande equivoco entender hoje a milicia como uma ameça menor que o tráfico - disse Pimentel, que alegou não sofrer qualquer risco com seu trabalho de analista da polícia e do crime.
- A Favela do Batan foge a regra. É um grande equivoco entender hoje a milicia como uma ameça menor que o tráfico - disse Pimentel, que alegou não sofrer qualquer risco com seu trabalho de analista da polícia e do crime.
- Por incrível que possa ser falo mais de ações positivas, prisões, pacificações. São poucas as notícias como a de hoje, do juz trabalhista ferido após tentar escapar de uma blitz. Mas vejo a reação da Polícia Civil, que foi de apurar, assumir falhas e afastar o delegado, inédita. A policia jamais assumia erros - afirmou.
Apesar dos elogios à política de segurança, Pimentel tem duras críticas à Polícia Militar, inclusive à comunicação da corporal policial da qual já fez parte:
- A experiência com o jornalismo me fez perceber como a PM se comunica mal, principalmente em momentos de crise, apesar de estar melhorando com o jornalista Gustavo Almeida e o coronel Lima Castro, que são realmente ótimos [eles são respectivamente chefe da 5a Seção, de Relações Públicas, e assessoria de imprensa da Polícia Militar].
- Mas os sinais de confusão e desarticulação ainda existem. A Draco prende milicianos no Morro do Dezoito, PM não ocupa. Resultado: uma outra facção invade e mata cinco. Como a PM nao se organiza para o óbvio, que era a retomada? Perguntei hoje (ontem) ao governador se a partir da invasão do Morro dos Dezoito isto mudaria. Ele disse que sim.
Nesse link você poderá ter acesso à íntegra da entrevista de Rodrigo Pimentel ao Repórter de Crime, com a ajuda dos internautas.
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