A loucura dos últimos dias

Com todo o respeito pela minoria que prefere afundar com Dilma, o país precisa redefinir seu caminho com rapidez

Estava alinhando alguns elementos de nossa absurda vida política quando li a notícia: um anão fez um striptease na mesa de uma delegacia, para celebrar o aniversário da escrivã. Delegacia de Entorpecentes, guardiã da lucidez paulistana. Percebi como preciso abrir mais minha mente, pois a realidade está cada mais distante do meu controle racional. De novo surgiu a dúvida sobre se a ficção era o instrumento mais adequado para me reaproximar dela. Os ficcionistas sabem que os personagens e o rumo da história podem seguir um curso independente deles. E gostam disso.
Mas quando os personagens dirigem um país em profunda crise econômica, política e moral há sempre um desejo de que se comportem de maneira previsível. Ou que, pelo menos, suas oscilações sejam reintegradas num quadro coerente. Ilusão.
Dilma reapareceu no 7 de setembro. “Se errei, isso é possível”, disse ela, “mas vamos superar todas as dificuldades”.
Recentemente, Aloizio Mercadante admitiu que o governo errou, ressalvando que outros governos também. Mercadante queria dizer que errar é humano, ele erra, logo é humano. Imagino como tenha sido difícil chegar a essa admissão. Dilma nem a isso chega. O erro é colocado no condicional. Ela diz que é possível que tenha errado. A condição humana que em Mercadante é uma certeza tardia, em Dilma é só uma possibilidade.
Imagino-me colocando a filosofia de Dilma em prática na vida cotidiana. Sou um pouco distraído. As vezes quebro uma xícara. Como comunicar isso em casa? É possível que tenha quebrado uma xícara.
“Claro que é”, responde minha mulher. “Você quebra sempre. Além do mais, ouvi o barulho”.
Deve ser uma experiência singular, dizer que pode ter cometido erros, olhar para fora do palácio e se ver representada num imenso boneco com nariz de Pinóquio.
Não surpreende que use uma tática de guerrilha para se comunicar. Ataca quando o adversário está disperso, foge quando ele se concentra. Diante da tevê, o adversário está concentrado. Uma presidente que foge do encontro com seu país, num momento de crise, é tão estranha como um anão dançando pela na mesa da delegacia.
Quem poderia imaginar que, isolada por tapumes de aço, perdida numa atmosfera política hostil, Dilma ainda fosse ter a ideia de reduzir os poderes dos militares, nesse momento? Qual a ideia por trás disso? Os militares estão muito quietos e é preciso agitá-los? Qual a vantagem de poder tirar e aposentar generais? Eles não vão salvá-la, muito menos derrubá-la.
Interessante como se deu atenção a alguns cartazes esparsos pedindo intervenção militar no governo e como passa discretamente essa tentativa do governo intervir na estrutura militar. Ela queria dormir no Brasil e acordar na Venezuela. Com um simples decreto? Alguma coisa se passou na cabeça de Dilma e não sei o que é. Creio que escrevi e escreverei esta frase muitas vezes.
Ministros sob investigação, tesoureiros e ex-ministro presos, polícia batendo na porta pelo Petrolão e verbas de campanha, profunda crise econômica, diante de tudo isso Dilma admite que é possível ter havido um erro. Houve mais que erros. A polícia não se interessa por erros. Houve crimes. Mas os processos legais têm um ritmo e um curso autônomos. O momento de mudar tem de ser decidido pela sociedade em sintonia com alguns políticos que ainda a ouvem.
Com todo o respeito pela minoria que prefere afundar com Dilma, o país precisa redefinir seu caminho com rapidez. Não por temor ao apocalipse que não virá. Simplesmente para poupar a todos, inclusive as novas gerações, de anos de retrocesso.
O governo gasta seu tempo pensando em impostos, como fazer com que a sociedade pague pelos erros de Dilma e se torne ainda mais frágil diante da tempestade econômica. Eu vi a CPMF nascer. No principio era só para a saúde. Terminou comprando goiabada. Impostos temporários são apenas um eufemismo. Dilma fez reflexões profundas sobre a casa e sobre a ponte. “O que é uma ponte? O que é uma casa?”, perguntou ela no inicio de cada discurso.
Se aceitarmos impostos temporários, ela certamente virá com essa: o que é o tempo? Como Santo Agostinho concluirá que é impossível defini-lo?
Poucos comprariam um carro usado de um político como Richard Nixon. Mas a confiança que os defensores de Dilma nos pedem é muito maior: confiar a ela um imenso barco de refugiados para singrar o Mediterrâneo.
As tarefas que nos esperam são gigantescas. Da abolição da escravatura à tomada de consciência ecológica, o Brasil sempre foi lento no timing. Decidiu agora que precisa de um governo decente, que devolva com serviços eficazes o dinheiro que arrecada. Quanto tempo vai gastar para realizar essa aspiração tão simples e razoável? Esse é o enredo central da novela em que os vilões custam a sair de cena,, apesar dos impulsos autodestrutivos.

Fernando Gabeira

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